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Letras & Notas

Com os pés enterrados na areia da praia e os olhos no horizonte

Letras & Notas

Com os pés enterrados na areia da praia e os olhos no horizonte

Depois da partida, a solidão

04.08.24 | Bento Soares Dias

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O vento agreste que se fazia sentir crestava-lhe a face já queimada de outros ventos de outras maresias.

Pensativo, caminhava pelo paredão, como se quisesse recolher naqueles pensamentos a solução para os seus problemas, como se o ar do mar e o vento lhe pudessem limpar todas as sismas que lhe faziam sentir-se pesado, sem vontade para continuar a vida que tinha agora.

Desde aquele dia que a sua vida se tinha transformado num vazio.

A morte repentina da mulher fê-lo repensar toda a sua existência, toda a sua relação familiar e social.

Encontrava-se agora num período de experiência, de transição.

A sua casa não é a mesma, as coisas não estão nos lugares onde a Maria religiosamente as colocava durante 45 anos de casamento, a roupa lavada e passada a ferro já não tinha o mesmo tratamento, o mesmo cheiro.

Os risos e choros tinham abandonado de vez aquela morada, nem ele conseguia devolver o choro à casa, tinham-se-lhe secado as lágrimas pelo sal do mar.

Passava um mês desde que Maria morreu, um mês que mais parece uma eternidade, uma enorme eternidade. Os dias não passam, a vida não lhe sorri, as noites são frias na cama, sozinho tudo é frio, até os seus pensamentos e recordações são frios, apenas as fotografias e as roupas da Maria lhe aquecem ainda um pouco o coração e a alma.

Abandonar a sua casa nunca lhe tinha passado pela cabeça, nem pensar, a casa onde casou, onde viveu todos aqueles anos com a Maria, local de alegrias de tristezas de confidências, isso não ia querer, ou antes achava que este pensamento só lhe vinha à cabeça por não ter nada para fazer e, por outro lado, por não ter ninguém com quem conversar.

Os filhos tinham a sua vida, viviam na mesma terra que ele, mas nunca, desde a morte da mãe, o convidaram para ir viver com eles. Ele também não queria isso, casamento apartamento, apenas reclama uma visita de vez em quando, um convite para um almoço ou mesmo um lanche.

Não tem netos, era um gosto que tinha e uma esperança que acalentava, talvez a sua vida tivesse mais um sentido mais um rumo.

Mas não pode esperar pelo futuro e pela vontade dos filhos, resta-lhe apenas esperar que o tempo seja o suficiente para os ver. 

Resta-lhe apenas esperar que a morte, calma e lentamente, lhe invada o espaço que hoje habita e o leve serenamente para junto da sua Maria.